domingo, 20 de junho de 2010

Programa qualifica docente e melhora nota de estudantes

Programa qualifica docente e melhora nota de estudantes
FSP 20/06/2010


Evolução no desempenho dos alunos ocorreu após empresários adotarem escolas públicas em São Paulo



Resultado só apareceu, porém, quando grupo passou a capacitar professores, em vez de investir só em obras



FÁBIO TAKAHASHI

DE SÃO PAULO



Por anos, empresários que "adotaram" escolas públicas em SP gastaram milhares de reais em reformas de salas de aula, compras de computadores e obras em quadras. As notas dos estudantes, porém, seguiam empacadas.

Há três anos, o programa decidiu mudar. A capacitação dos professores passou a ter mais destaque, os alunos tiveram mais recuperações.

O resultado apareceu neste ano. Na avaliação estadual divulgada em fevereiro, que considera notas em português e matemática, 90% das escolas participantes da parceria superaram a meta da Secretaria da Educação no Idesp (índice do governo).

"As condições de trabalho estavam melhores, e as pessoas, mais felizes. Mas o impacto só veio mesmo quando focamos o pedagógico", afirma Jair Ribeiro, executivo da CPM Braxis e um dos coordenadores do programa, o Parceiros da Educação.

O pouco impacto da infraestrutura das escolas nas notas já apareceu em outros levantamentos. A Folha, por exemplo, constatou que CEUs e escolas de lata tinham desempenhos semelhantes na Prefeitura de SP.



PAISAGISMO

Adotada pelo Grupo ABC, que tem o publicitário Nizan Guanaes como presidente, a escola Francisco Brasiliense Fusco, no Campo Limpo (zona sul de SP), teve o telhado reformado, o que tirou pombas e ratos dos corredores.

A sala de informática, que tinha dez computadores antigos, passou a ter 40 modernos. Nizan, que também é colunista da Folha, chamou profissionais que trabalharam no projeto da sua própria casa para a reforma.

Limpo e com arquitetura nova, o colégio era um daqueles que não decolavam nas notas. De 2007 para 2008, o índice da quarta série recuou. Naquele ano, a formação de docentes se intensificou. E o Idesp subiu 50%.

Como as demais escolas do programa, ela passa por avaliações da Fundação Cesgranrio, que apontam exatamente quais são as dificuldades dos professores, o que motivam cursos específicos.

Em matemática, as maiores demandas nos colégios são em geometria, operações e lógica. Em português, produção de textos. "Os professores têm dificuldades básicas", diz Lúcia Fávero, diretora-executiva do projeto.

A atuação nas escolas não é totalmente pacífica. Segundo profissionais da ONG, alguns professores veem interferência em seu trabalho.

Há 82 escolas "adotadas". O programa espera chegar a 500, quase 10% da rede. "É impossível o Estado dar atenção individualizada. Queremos potencializar os recursos públicos", diz Ribeiro, um dos coordenadores.

Segundo ele, as empresas participantes -como Pão de Açúcar, Bradesco e Porto Seguro- não têm benefício financeiro. O gasto anual médio é de R$ 100 mil. E as companhias convivem com dificuldades da rede pública, como falta de professores.

No último dia 27 à tarde, quando a Folha visitou a escola no Campo Limpo, três classes estavam sem aula, por falta de professor.

O milagre de Santa Isabel

O milagre de Santa Isabel




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Não existe segredo: gente talentosa, com garra, frequentando as melhores escolas, só pode se destacar

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DURANTE um encontro com professores na sexta-feira passada, no Centro de Convenções da Bolsa de Valores, no Rio de Janeiro, Marco Antônio Lopes, um rapaz de apenas 18 anos de idade, começou sua apresentação tentando desfazer a estranheza da plateia: "Vocês devem estar achando que eu sou um pouco jovem para ser professor"."

Em poucos minutos, ao relatar sua história, ele fez a desconfiança dos ouvintes converter-se em admiração. Marco Antônio está por trás de uma proeza realizada em Santa Isabel, uma pequena cidade da região metropolitana de São Paulo, onde vivem 50 mil habitantes. Lá, estudantes estão conquistando medalhas em olimpíadas brasileiras de matemática, de informática, de astronomia e de física.

Só para oferecer ao leitor uma simples medida de comparação, cito cidades como a rica São José dos Campos, que, com 650 mil habitantes e centros de excelência em tecnologia, tem 30 finalistas na Olimpíada Brasileira de Informática, e Campinas, sede de empresas de alta tecnologia e um dos principais centros universitários brasileiros, que, com 1 milhão de habitantes, não tem sequer um finalista nessa competição. Santa Isabel, por sua vez, sai à frente, com 25 finalistas.

O milagre educacional de Santa Isabel é um dos símbolos de que dispomos para descortinar um dos maiores desperdícios brasileiros -o desperdício de talentos.













Filho de uma família de baixo poder aquisitivo, Marco Antônio recebeu o apoio do Ismart (Instituto Social para Motivar, Apoiar e Reconhecer Talentos), um programa criado para revelar talentos, bancado por empresários. Ele entrou no ITA e, neste ano, foi aceito pelo MIT (Massachusetts Institute of Technology).

Como sentia a necessidade de retribuir o apoio obtido, criou em Santa Isabel, sua cidade, um projeto para formar jovens, tornando-os aptos a disputar as olimpíadas escolares. Já tem 150 alunos e o apoio entusiástico de professores do ITA, que se dispuseram a abraçar essa causa. Desde 2005, Marco Antônio já vinha arrebanhando vários desses prêmios, dentro e fora do Brasil.

Alunos de seu programa são descobertos e apoiados pelo Ismart para entrar nas melhores faculdades -alguns deles, por sua vez, transformam-se em monitores. É um monumental círculo virtuoso.











A imensa maioria dos beneficiados do Ismart, embora de origem pobre, entra nas melhores faculdades brasileiras. Esses jovens recebem apoio para ingressar em boas escolas privadas, como os colégios Santo Américo, Bandeirantes ou Santa Cruz, em São Paulo, e o Colégio de São Bento ou o Santo Inácio, no Rio.

"São alunos com altas habilidades de aprendizagem, uma enorme força de vontade e, em geral, um extraordinário apoio familiar", explica Mauro Aguiar, diretor-presidente do Colégio Bandeirantes. "Por isso, professores disputam a oportunidade de dar aulas para eles."

Não existe aqui nenhum segredo: gente talentosa, com garra, frequentando as melhores escolas, só pode mesmo se destacar. Rapidamente, vão desaparecendo os buracos deixados no passado pela educação pública deficiente.

Paradoxalmente, mede-se por esse sucesso o tamanho de um fracasso. O Ismart atendeu, no ano passado, 526 pessoas. Um de seus grandes méritos é mostrar o que perdemos todos os dias. Estima-se que exista, no Brasil, algo em torno de 1,5 milhão a 2,5 milhões de brasileiros com altas habilidades em alguma área do conhecimento -da música à engenharia, passando pelo esporte, área em que têm surgido excelentes jogadores de futebol.

A falta de apoio começa na escola e se propaga na família. Não se consegue, nem na rede pública nem, muitas vezes, na particular, cuidar adequadamente dos alunos medianos, muito menos dos alunos diferenciados.

Imagine se conseguíssemos descobrir e estimular cientistas na mesma proporção em que têm sido descobertos e estimulados jogadores de futebol, para os quais a nação parece ter um olhar mais atento, capaz de revelar e nutrir talentos.

Teríamos o milagre de Santa Isabel -mais garotos revelando inteligência em olimpíadas escolares e, como Marco Antônio, servindo de exemplo de sucesso.



PS- Coloquei na internet (www.dimenstein.com.br) o programa do Ismart e depoimentos de alguns de seus beneficiários.

Dimenstein
Folha 20/06/2010

segunda-feira, 14 de junho de 2010

Suicídios expõem vida em fábricas da China

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Operários enfrentam xingamentos e treino militar

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Por DAVID BARBOZA

SHENZHEN, China - A primeira morte na fábrica neste ano foi em 23 de janeiro.

O corpo do operário Ma Xiangqian, 19, foi achado às 4h30 em frente ao prédio do seu alojamento. A polícia concluiu que ele se atirou de um andar alto.

Parentes dele, inclusive uma irmã de 22 anos que trabalhava na mesma empresa, a Foxconn Technology, disseram que ele odiava o emprego no qual estava desde novembro -um turno de 11 horas, sete noites por semana, forjando metal e plástico para fazer peças eletrônicas, em meio a vapores e poeira. Ou pelo menos esse foi o trabalho de Ma até que, em dezembro, uma discussão com seu supervisor o fez ser rebaixado para a limpeza dos banheiros.

O contracheque de Ma mostra que ele trabalhou 286 horas no mês anterior à sua morte, sendo 112 horas extras, cerca do triplo do limite legal. Por tudo isso, mesmo com o adicional de hora extra, ganhou o equivalente a US$ 1 por hora.

"A fábrica estava sempre abusando do meu irmão", disse, chorosa, a irmã dele, Ma Liqun.

Desde a morte de Ma, houve outros 12 suicídios ou tentativas de suicídios em duas unidades da Foxconn em Shenzhen, onde os empregados vivem e trabalham. Essas fábricas, com cerca de 400 mil empregados, produzem para multinacionais como Apple, Dell e Hewlett-Packard.

A maioria dos outros suicidas se encaixa no mesmo perfil: 18 a 24 anos, relativamente novos na fábrica, caindo de um edifício.

A onda de suicídios intensificou o escrutínio sobre as condições de vida e trabalho na Foxconn, maior fornecedor terceirizado de produtos eletrônicos do mundo. Reagindo ao clamor, a Foxconn concedeu nos últimos dias dois grandes aumentos salariais. No último, em 6 de junho, a empresa anunciou que, após um período de experiência de três meses, o salário dos seus operários na China poderá chegar a quase US$ 300 por mês, mais do que o dobro do que era semanas atrás.

Sociólogos e outros acadêmicos veem as mortes como sinais extremos de uma tendência mais ampla: a de uma geração de trabalhadores que rejeita as dificuldades que seus predecessores experimentavam ao compor o exército de mão de obra barata responsável pelo milagre econômico chinês.

Em vez de acabarem com as próprias vidas, muitos operários da Foxconn -dezenas de milhares- simplesmente vão embora. Em entrevistas recentes aqui, empregados diziam que o funcionário típico da Foxconn fica poucos meses na empresa antes de pedir demissão, desmoralizado.

Os operários se queixam de treinamentos do tipo militar, de xingamentos dos superiores e de "autocríticas" que têm de ler em voz alta, além de ocasionalmente serem pressionados a trabalhar até 13 dias consecutivos para completar uma grande encomenda- mesmo que isso signifique dormir no chão da fábrica.

Embora haja na China um limite de 36 horas extras semanais, vários operários contaram que estão acostumados a superar muito esse tempo.

"Eles saem [do emprego] tão rápido porque não conseguem se ajustar à vida na fábrica", disse Wang Xueliu, líder de uma equipe de produção, há seis anos funcionário da Foxconn. Ele também pretende pedir demissão em breve, mas para montar com o irmão uma fábrica de velas para exportação.

Muitas outras fábricas chinesas também enfrentam uma rotatividade elevada. Em todo o sul industrial do país, há uma grave escassez de mão de obra, já que legiões de migrantes rurais, que antes afluíam a esses empregos, agora estão escolhendo outras opções. Muitos buscam o setor de serviços, ou empregos mais próximos de suas cidades.

A Foxconn disse que está tentando oferecer condições mais dignas, mas seu executivo Louis Woo admitiu que há muito por fazer para melhorar o local de trabalho e a cultura administrativa.

A família de Ma Xiangqian negociou uma indenização com a Foxconn, que não quis comentar o caso.

"Ele era meu filho único", disse o pai de Ma Xiangqian, Ma Zishan, um pequeno produtor de plantas e árvores ornamentais vendidas nas grandes cidades. "Filhos únicos são muito importantes no interior. O que eu vou fazer?"



Folha de São Paulo 14/06/2010