quinta-feira, 22 de julho de 2010

Mais perveersão na educação brasileira

Mais perversão na educação brasileira


NAOMAR DE ALMEIDA FILHO





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A maioria pobre não somente financia a educação superior mas também subsidia a educação básica privada da minoria social privilegiada

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Na sociedade contemporânea, cada vez mais complexa e diversificada, formação universitária aparece como fator de ascensão social.

Neste Brasil de absurdos e iniquidades, educação superior supostamente implica uma profunda perversão social.

Eis o argumento: no nível básico de ensino, aos pobres, por seu reduzido poder econômico, resta a rede pública, com precária infraestrutura e docentes desmotivados por baixos salários.

Ao contrário, as camadas médias e altas da sociedade, por capacidade financeira própria, financiam a educação de seus jovens em escolas privadas, com melhores condições de vencer o filtro competitivo do vestibular.

Nas universidades públicas, recebem gratuitamente educação superior de qualidade, enquanto os pobres são obrigados a pagar caro em instituições privadas.

Essa análise oculta dois equívocos e uma falácia.

O primeiro equívoco refere-se ao conceito de gratuidade, como se pudesse existir alguma atividade, realizada com eficiência, sem custos estruturais e operacionais.

A universidade pública, dada sua missão social de excelência acadêmica, é cara e longe está de ser gratuita. É, de fato, pré-paga pelo orçamento público, constituído por impostos, taxas e também por contribuições sociais.

O segundo equívoco é achar que, "por capacidade financeira própria", as classes abonadas preparam seus jovens para ter acesso à universidade pública.

Isso não é verdade. No Brasil, importante parcela das despesas educacionais retorna às famílias com maior nível de renda sob a forma de descontos e restituição de impostos; dessa forma, enorme (mas oculta) renúncia fiscal subsidia a educação privada de seus filhos, o que lhes facilita predominar na educação superior pública.

A falácia encontra-se na premissa de que o Estado é sustentado por toda a sociedade, igualmente.

A estrutura tributária brasileira é, em si, importante fator de desigualdade social. Proporcionalmente à renda, os pobres contribuem para custear a máquina estatal, em todos os níveis e setores de governo, mais do que contribuintes de melhor situação econômica.

Dados do Ipea revelam que os mais pobres pagam 49 % de sua renda em impostos, enquanto os mais ricos contribuem com apenas 26 % da sua receita.

Ciclo vicioso, tripla perversão social. A maioria pobre não só financia a educação superior mas também subsidia a educação básica privada da minoria social privilegiada, que, não fossem as ações afirmativas, ocuparia a maior parte das vagas públicas.

Do ponto de vista da reprodução social, a formação daqueles oriundos da classe social detentora de poder político e econômico se dá, nas universidades públicas, em carreiras de maior retorno financeiro e prestígio social.

Por analogia ao conceito de mais-valia, a ideia de mais-perversão pode ser útil para entender e ajudar a superar a iniquidade social que tanto nos envergonha.

O estancamento da renúncia fiscal de despesas escolares contribuirá para resgatar a dívida social da educação, entrave ao desenvolvimento econômico e humano de nosso país.







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NAOMAR DE ALMEIDA FILHO, doutor em epidemiologia, pesquisador 1-A do CNPq, é reitor da UFBA (Universidade Federal da Bahia) e membro do Observatório da Equidade do CDES (Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social).

 
20/07/2010 FSP

Religião não segura casamento

Religião não evita fim do casamento


Proporção de mulheres separadas praticamente não se altera conforme opção de igreja, aponta pesquisa



Sucesso da união está mais ligado a fatores como distribuição das tarefas familiares e domésticas entre o casal



HÉLIO SCHWARTSMAN

ARTICULISTA DA FOLHA



O que Deus uniu o homem separa. Um cruzamento entre dados de estado conjugal e religião realizado pelo Núcleo de Estudos de População (Nepo) da Unicamp a pedido da Folha mostra que a fé não segura casamentos.

A proporção das mulheres separadas, desquitadas ou divorciadas de cada igreja é muito similar à distribuição das crenças pela população.

A base utilizada foi a Pesquisa Nacional de Demografia e Saúde da Criança e da Mulher, de 2006, do Ministério da Saúde e abarca mulheres em idade reprodutiva (entre 15 e 49 anos).

Se é relativamente fácil constatar que a fé não mantém casais unidos, bem mais difícil é descobrir o que o faz.

Segundo a pesquisadora Joice Melo Vieira, que cruzou os dados, estudos no Brasil e no exterior mostram que a preocupação é estar em relações satisfatórias. Como a separação já não é tão estigmatizada, o fim da união é sempre uma possibilidade quando as coisas vão mal.

No final, relata Vieira, o que faz casais à beira da separação pensarem duas vezes são a situação dos filhos e a questão financeira. Como hoje mais mulheres trabalham, a dependência econômica não segura mais o casamento. Já os filhos o fazem apenas por tempo limitado.

Estudos europeus apontam que durante a gravidez e o primeiro ano de vida da criança é mais baixa a chance de os pais se separarem.

Mas, à medida que os filhos crescem, esse deixa de ser um fator importante, e a probabilidade de separação volta a ser igual à de casais que nunca tiveram filhos.



RELAÇÃO IGUALITÁRIA

Embora não haja uma receita para o sucesso da união, existem fatores preponderantes. O mais eficiente é a distribuição das tarefas familiares e domésticas entre o homem e a mulher. Quanto mais igualitária for, menores são os riscos de ruptura.

A maioria dos religiosos ouvidos pela Folha não se surpreendeu com os dados.

Para o padre Eduardo Henriques, a religião "entra em diálogo com outros elementos da cultura e há níveis diferentes de adesão à fé". Há desde o sujeito que se casa na igreja só para contentar a família até os que realmente creem no sacramento.

O pastor batista Adriano Trajano é mais veemente: "Religião não segura nada. O casamento deve estar seguro por amor, confiança, caráter e dedicação. Nenhuma dessas virtudes é conferida pela religião. O indivíduo precisa ser educado nelas".

Marcos Noleto, teólogo adventista, diz que o abismo entre teoria e prática vai além do casamento: "Em números redondos: só 20% são dizimistas; 30% frequentam os cultos do meio de semana".

Uma exceção parcial é o pastor luterano Waldemar Garcia Jr.: "As estatísticas podem até afirmar algo diferente, mas vejo que a religião auxilia na manutenção saudável das relações. Temos um trabalho de aconselhamento, com função preventiva".



Folha, 22/07/2010